Ricardo Reis e Susana Peralta: A resposta possível do Eurogrupo, a mutualização da dívida e a importância (outra vez) do BCE
No Episódio #17 do ECO Insider, com o jornalista Pedro Santos Guerreiro, ressalta uma questão: Porque é que os líderes europeus passaram para os ministros das Finanças decisão tão importantes?
Esta é uma newsletter especial, com duas entrevistas. Centradas nas novas decisões do Eurogrupo, que têm menos de 24 horas. Aqui, no ECO Insider, falamos com o economista Ricardo Reis, professor na London School of Economics and Political Science, e com economista Susana Peralta, professora da Nova SBE. Ambos subscrevem a tese de que este é o acordo possível, com avanços limitados e ainda muitas dúvidas, por exemplo em relação ao que pode ser classificado como despesa direta e indireta de saúde.
Ricardo Reis
“Por si só, [este acordo] não previne o que pode ser uma grande crise nos próximos tempos”
O acordo anunciado no Eurogrupo é a reposta necessária ou a resposta possível à pandemia?
Ricardo Reis: É difícil dizer. Foi a resposta possível, e vai ter um impacto positivo. O reforço da capacidade do BEI, direcionando-o para dar credito às PMEs pode ser muito importante. É algo que eu tinha defendido há três semanas atrás com o Brunnermeir, Landau e Pagano. Segundo, e logo com impacto no imediato, o crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) pode ser substancial agora que as despesas com as medidas de saúde são tão grandes. Ao mesmo tempo, nenhum destes pontos do acordo é um “game changer".
O que é que traz de novo?
RR: As duas grandes novidades são:
A criação do pacote SURE gerido e financiado pela Comissão Europeia, porque abre o caminho à centralização de despesas, obrigações, e decisões em Bruxelas.
A linguagem do acordo deixando em aberto a criação de um “recovery fund” com contributos de todos nos próximos meses. Quer um, quer outro, no curto prazo não querem dizer quase nada em termos de quantias ou medidas significativas. Mas abrem portas ate aqui fechadas em termos da união fiscal na Europa.
Quais são os pontos positivos e negativos deste acordo?
RR: Um ponto positivo é ter havido algum progresso relativamente rápido, ao contrário do que aconteceu há dez anos. O ponto negativo? Por si só, [este acordo] não previne o que pode ser uma grande crise nos próximos tempos. Tem de ser vista como um passo no caminho certo, não como uma solução.
Fica claro se há ou não exigência de condicionalidade na linha de apoio à economia? É de que tipo?
RR: Não há condicionalidade desde que os empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) sejam para despesas de saúde. Mas definir esse perímetro é tudo menos óbvio.
Este plano torna o papel do BCE menos central ou, na verdade, continuará a ser o BCE a ser a peça central de resposta à crise?
RR: O papel do Banco Central Europeu continua a ser central porque, no curto prazo, é a capacidade do BCE de comprar a nova dívida agora emitida pelos Estados que permite que qualquer programa comece sequer.
Susana Peralta
“Acordo abre claramente a porta a condicionalismos a impor aos países devedores”
O acordo anunciado no Eurogrupo é a reposta necessária ou a resposta possível à pandemia?
Susana Peralta: É evidente que é a resposta possível. Aliás, chegamos aqui depois de duas reuniões do Eurogrupo e desta ter sido interrompida na terça-feira ao fim de 14h de negociações duras. A mutualização da dívida, que muitos países queriam, acabou por não avançar.
O montante dos empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) não chega a 4% do PIB da União Europeia e continua a não poder ultrapassar os 2% do PIB de cada país (embora o texto fale de “benchmark” para este limite, o que pode indiciar que há alguma margem).
Por outro lado, ainda não é clara a condicionalidade constante nos empréstimos. O comunicado diz que depois da crise, os países da Zona Euro comprometem-se a reforçar a economia e as finanças, de forma consistente com as regras de coordenação fiscal. Estou a resumir, mas abre claramente a porta a condicionalismos a impor aos países devedores, no período pós crise.
O que é que traz de novo?
SP: A principal novidade, para mim, é o seguro de desemprego, que está em cima da mesa desde a última crise, mas nunca chegou a avançar. Estamos a falar de menos 1% do PIB europeu (montante modesto), mas é uma forma de partilhar o risco assimétrico nos mercados de trabalho num momento em que a mobilidade dos trabalhadores (outra forma de equilibrar estes choques assimétricos), está impedida.
Quais são os pontos positivos e negativos?
SP: Os pontos positivos são o seguro de desemprego e a porta aberta a “instrumentos financeiros inovadores” para financiar a recuperação (pós-crise), que está a ser interpretada como a porta ainda aberta a alguma mutualização da dívida.
Quanto aos pontos negativos, são os montantes modestos e, por outro lado, não é clara a condicionalidade pós-crise. Há uma condicionalidade presente que é a de gastar os montantes para financiar direta ou indiretamente os custos de saúde ligados à pandemia que deixa de fora uma parte substancial do custo desta crise. A não ser que pela porta da “prevenção” se consigam financiar as transferências necessárias para os trabalhadores que estão em casa sem trabalhar. Isto ainda não é claro para mim. Outro ponto negativo é que vão ser mais duas semanas para desenhar o esquema de financiamento. Entretanto, terá passado um mês e meio do início desta crise.
Fica claro se há ou não exigência de condicionalidade na linha de apoio à economia? É de que tipo?
Parece uma espécie de condicionalidade “light”, que fala genericamente de aplicar as regras habituais de disciplina orçamental da ZE no pós-crise. Portanto, isto pode ser muita coisa, vai depender da aplicação das regras.
Este plano torna o papel do BCE menos central ou, na verdade, continuará a ser o BCE a ser a peça central de resposta à crise?
O BCE vai continuar a ser a peça central. O Quantitative Easing (QE) é de 750 mil milhões, enquanto que o pacote que saiu ontem do Eurogrupo é de 600 mil milhões, aos quais se juntam o fundo de emergência da CE de 2.7 mil milhões e os 25 mil milhões do BEI. Acresce que o BCE parece ter aprendido mais com a crise anterior porque agiu mais depressa desta vez. Portanto, há alguma esperança de que o BCE possa ainda intervir, de forma expedita, porque pode tomar decisões evitando estas penosas negociações inter-governamentais do Eurogrupo.
Episódio #17 do ECO Insider
“Não percebo porque é o Eurogrupo a tomar uma decisão tão importante para a União Europeia”
No Episódio #17 do ECO Insider, o acordo do Eurogrupo foi, claro, o tema principal. É reconhecidamente o acordo possível, mas continua a haver muitas dúvidas ou ambiguidades. E como pergunta Pedro Santos Guerreiro, porque é que foi o Eurogrupo a tomar uma decisão tão importante para a União Europeia? “É o reconhecimento de fraqueza dos líderes dos europeus ao delegarem nos ministros tais decisões”. A ouvir, aqui.
E para ficar registado, quais são, afinal, os pontos principais do acordo são estes?
O que diz o acordo do Eurogrupo, que motivou aplausos dos ministros das Finanças no final da longa reunião (aplausos exatamente para quê?):
Como é que os Estados vão ser ajudados?
Após ter sido criado na sequência da crise das dívidas soberanas, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) vai agora ser usado. Os ministros das Finanças concordavam todos no seu uso, mas tinham divergências sobre as condições em que esses empréstimos podem ser dados. O acordo passa por usar a linha de crédito de precaução (ECCL, na sigla inglesa) “ajustada à luz deste particular desafio”, com juros baixos, como uma proteção para os Estados-membros da Zona Euro que são afetados por este choque externo.
E as condições? Tanto no comunicado como na conferência de imprensa, o presidente do Eurogrupo repetiu a expressão: “O único requisito para ter acesso a esta linha de crédito é que os Estados-membros da Zona Euro que peçam este apoio têm de comprometer-se a usar esta linha de crédito para financiar, a nível nacional, os custos diretos e indiretos relacionados com os cuidados de saúde, a cura e a prevenção relacionada com a crise covid-19″. Na conferência de imprensa, o presidente do Eurogrupo fez questão de dizer que esta “não é uma definição apertada”, abrindo a porta a diferentes interpretações sobre para que fins este dinheiro poderá ir.
Além disso, os Governos têm de comprometer-se que vão “reforçar” as suas condições económicas e financeiras em linha com o que é exigido pelas regras europeias, mas contando com a “flexibilidade aplicada” pela Comissão Europeia. Centeno desvalorizou esta condição, argumentando que se os países estão sustentáveis antes da crise — e esta é temporária — também o vão estar quando a pandemia passar. “Todos os países devem fazer todos os esforços para recuperar o caminho da sustentabilidade”, disse.
O apoio da linha de crédito tem de ser aprovado pelo MEE com base na avaliação feita pelos técnicos da Comissão Europeia, em conjunto com o Banco Central Europeu (BCE). No entanto, não há referência a linha de crédito dedicada ao apoio económico que os Estados terão de dar, tal como por exemplo nas medidas de lay-off. Segundo o ministro das Finanças holandês, Wopke Hoekstra, as linhas de crédito do MEE vão ajudar os países “sem condições para as despesas de saúde”, mas o apoio económico terá condições: “Também irá estar disponível ajuda económica, mas com condições“, faltando saber quais são estas condições.
O dinheiro disponível para os países será até 2% do PIB de cada Estado-membro, o que resultará num total de 240 mil milhões de euros. Segundo Mário Centeno, o apoio deve estar pronto “dentro de duas semanas” e estará disponível até à crise pandémica acabar. O principal objetivo desta linha de crédito será evitar uma repetição da crise das dívidas soberanas assim que a dívida pública dos países começar a disparar face à dimensão da queda do PIB e do aumento do défice. Contudo, este valor emprestado pelo MEE a juros baixos é visto por vários economistas como um valor pequeno para aquilo que pode vir a ser o impacto económico desta pandemia na Zona Euro.
Quais são as outras duas proteções?
Uma foi criada pela Comissão Europeia, chama-se SURE e o objetivo é ser uma camada adicional de proteção ao emprego que os Estados-membros terão à sua disposição. São 100 mil milhões de euros que este programa temporário vai ter à disposição dos países também através de empréstimos. “Estamos a trabalhar para que este instrumento fique operacional o mais rapidamente possível”, diz o comunicado, referindo que o processo legislativo começará em breve.
A outra proteção, que é dedicada às empresas, vem do Banco Europeu de Investimento (BEI). A iniciativa do BEI passa pela criação de um fundo pan-europeu de garantias de 25 mil milhões de euros que deverá alavancar 200 mil milhões de euros de financiamento para as empresas europeias, com um especial foco na PME, através de bancos de fomento nacionais. O BEI deverá “operacional a sua proposta assim que possível” e colocá-la no terreno “sem atrasos”.
A mutualização da dívida foi descartada de vez?
Ainda não. Os países que eram favoráveis conseguiram manter essa possibilidade em cima da mesa, mas os países que são contra também impuseram uma referência a outras possibilidades de financiamento.
Para a semana, voltaremos, ainda sob estado de emergência, que vai mai manter-se até dia 1 de maio (pelo menos)
Bom fim de semana, com muito ECO,
António Costa
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